quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Um telejornalismo dramatizado - Por Lívia Müller

                          




             Um exemplo clássico de neotevê é o programa Fantástico, exibido aos domingos pela Rede Globo, no qual o acontecimento é preparado para ser transmitido e o espetáculo não se refere ao acontecimento, mas a encenação em que é construído o fato, ao simulacro.
            A reportagem de abertura do último domingo (26), é sobre a bailarina Fernanda Lopes, uma moradora da periferia de São Paulo que  realiza seu sonho de estudar na escola  alemã de ballet, Stuttgart. Fernanda é retratada pelo programa como um exemplo de superação, “Uma bailarina humilde de São Paulo quer brilhar nos maiores palcos do mundo”. Dessa forma é construído o espetáculo da menina pobre que superou os obstáculos e realizou seu sonho, é criado assim um simulacro que não se refere ao acontecimento, mas a encenação em que ele é construído.
            Fantástico, o dito “Show da Vida” sempre oferece ao público uma interpretação e um comentário indireto sobre o fato retratado, encenando toda uma história, a sua trajetória até Stuttgard.A reportagem é construída para ser transmitida como um filme, apresentação do conflito, desenrolar do drama e final feliz. E para encenar o conflito e emocionar o público foi mostado desde a simplicidade da casa em que vive, o pai fazendo rifas para pagar as viagens e sapatilhas, a mãe que teve que aprender confeccionar os vestidos, a apresentação na Alemanha, até a instalação de Fernanda na escola fazendo aulas aprendendo o idioma e as regras do novo colégio.E para envolver e familiarizar ainda mais o público com a reportagem é mostrado o chá de roupas que parentes e vizinhos fizeram para a bailarina. 
            Uma perfeita combinação para a abertura do “Show da Vida”: um texto que influencia casado com imagens que emocionam. Essa estratégia de envolvimento tem a capacidade de fazer o receptor se interessar pelo o fato, sentir suas dores e tomar partido daquela situação defendendo o mocinho.Como em um filme mesmo.
            Esse envolvimento também é feito com as notícias que apelam pelo sensacionalismo, exemplos são o Caso Nardoni e o Caso Bruno. Eles atraíram o telespectador pelo choque que causaram,mas em meio a toda cobertura da impresa o foco era mais a dramatização do fato do que o fato em si.Em nenhum momento houve por parte do “Fantastico” uma apuração mais aprofundada.         O tratamento da reportagem é de exclusivo interesse do público. Daro que ele quer assistir é a prioridade das emissoras e sinônimo de IBOPE, para isso se apóiam nos sentimentos e emoções.. Por isso conhecemos os fatos através dos sentimentos dos envolvidos e não dos acontecimentos em si.

Acreditar ou não na angulação do repórter?

            O filme foi ilustrado a partir da conquista pessoal da bailarina, não querendo desmerecer seu sonho, mas o simulacro descrito no domingo se confirma na segunda-feira quando se torna o assunto das conversas. Assim concretiza-se a representação de destaque do programa e a aceitação de que esse é o melhor ângulo que poderia ser tratada a reportagem.
            Pensamos que conhecemos tudo ou quase tudo sem sair de casa, essa é a ilusão que a TV nos impõe. No entanto só conhecemos a parte do fato que cabia a ela transmitir, o foco que teríamos poderia ser diferente do escolhido pelo repórter. Não necessariamente os Nardoni seriam o casal mais odiado do país, o goleiro rubro negro o assassino indireto e nem a bailarina que conseguiu realizar seu sonho porque sofreu muito para isso, mas porque tem talento e força de vontade.
            A informação virou mercadoria, ela é o produto que a TV vende para o telespectador, interessada no imediatismo pelo furo, concorrência e IBOPE. Com isso as novelas tornaram-se documentários e os jornais novelas que preocupados em dramatizar o conflito. No fim tudo vira entretenimento para a indústria cultural.

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